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Robalo nenhum

by Sylvio Fraga

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1.
Gota a gota que dana a jangada que tomba na boca da morte (a manhã é flor da noite) a cantiga do vento o silêncio do fim do mundo – Cadê vocês, meus irmãos? Boca a boca da noite a cantiga da gota um silêncio danado (a jangada é flor ao vento) a mortalha do dia e o tombo no fim do mundo – Cadê vocês, meus irmãos? Sem nenhum argonauta Passa ao largo do temporal Um navio de carga Corroído de sal No oceano cobalto Alto mar que não é azul Um navio fantasma Iceberg do sul Noite a noite a cantiga e o tombo danado da mortal jangada (o silêncio flor da boca) e um vento da gota e o dia do fim do mundo – Cadê vocês, meus irmãos? (a palavra flor da nota) o fim do mundo – Cadê vocês, meus irmãos?
2.
Depois quando eu morrer Eu quero morar No tronco de um baobá E nesse baobá Eu quero viver Que nem na barriga um bebê Depois quando eu nascer Eu quero mamar O sumo do baobá E desse baobá Eu quero saber O gozo de nunca morrer Nasceu o sol Tem um baobá ao sol O pé tá no céu Baobá deitou raiz no céu Eu sei quem sou Sei que baobá eu sou Sei bem, ele é eu Sol a sol – um baobá e eu
3.
Pedra vestida de neve guarda segredos de nuvem Árvore beira de estrada planta seu fruto na rua Água parada que escorre num rosto talhado de guelras Chego em casa pra trabalhar tem que arrumar as coisas fazer o jantar e depois passar a roupa do homem que tem que descansar Trabalhar para trabalhar acordar para trabalhar até dormir quem sabe um sonho bom possa aliviar
4.
Igbadu 04:27
Onissabedor Dai-nos conhecer vosso axé Todo amor é um Tudo no balaio de Olorum Céu de Obatalá Ali há de dar todo chão Chão de Oduduá Ali há de dar todo céu Pai de todo axé Dai-nos vosso amor, oh minha mãe
5.
Ajambrada 02:19
Palavra não esgota Há muitas: Esta por exemplo E outras E andam juntas Enjambradacopladas Tontas E lá pelas tantas O que as imanta Vira estrutura Cerze a loucura Costura a música De cada palavra dita Assim dá-se a letra Que o engenheiro prepara Mas ele não para e fabrica Na pedra da melodia Palavras à revelia
6.
Vivo humilde pelos trilhos Do que vejo pela frente Gambá sou, pouco ilumino Lento farejo o farelo Que me é dado no caminho Desejo apenas na vida Acertar o alvo fino De morrer depois dos pais De morrer antes dos filhos Vem o vento na janela Bate até que me adivinha A lua faz sentinela Desse meu corpo deitado Tão puído que esfarela Eu peço apenas à noite O mistério de um poema Que ilumine alguma dor E evapore no sereno
7.
Lua verde 02:39
Lua lua verde Vasto é meu quintal Vento vida breve Lua verde Verde demais O meu sono chega Logo se desfaz Um menino chora Lua verde Breve demais
8.
Salve, ó mancha na alma Fulge menor que o amor Todos em pé diante da deusa Fulge maior que o medo Vamos em frente Não tem mais jeito Dia que nasce No meio da noite
9.
Uma correnteza no abismo Na memória, no futuro Um silêncio de manguezal, ê! Sono de jangada Escuto vozes de baleia na cabeça Mariscar a própria cabeça Um lamento de quem quase Nunca chora Não se entrega à toa Mas não apavore o menino Ele mora lá no fim da vida A raposa disse nada, disse Nunca vou lhe dar um abraço Mas não tem problema Eu te amo Vou pescando pelo abismo azul Do manguezal Amor é o que há Vóglio a minha donna Vóglio a minha donna Vóglio a minha donna
10.
Tão remota situação campestre desanuviando a moça pelada no sonho Tão suave cacofonia de ovelha escreve sua carta ao rio no meio do céu Minhas perguntas são tantas Minhas perguntas são poucas Moça que guarda nos seios o mar Vou voltando à terra e a visão da moça vai sumindo Vai sumindo Vai sumindo Vai sumindo Moça que guarda nos seios o mar
11.
Bodocó 01:54
vó goró dó xodó forró curió Jó nó carijó efó jiló guaraná-timbó maior céu infinito paralelo à caatinga nuvens escorrem no grande vidro do ar morrer dormir talvez cantar
12.
Canto p’o canto dizê Que tanto que tem p’a cantá Vento cabô de batê Momento cabô de durá Canto que fala do quê Que tanto num qué me contá? Tudo pode acontecê Contudo já tá p’a acabá Canto que diz olerê Enquanto eu entendo olará Para de me remoê Tu vira essa boca p’a lá Dom Condão Adivinhar O som Missão Alumiar O véu O vão U’a cantiga Eu Eu não A voz amiga

about

LADO A

1. Mini-dilúvio - 3:00 (Sylvio Fraga / Thiago Amud)
2. Um baobá e eu - 3:26 (Sylvio Fraga / Marcelo Galter / Thiago Amud)
3. Retrato de proletária - 2:57 (Sylvio Fraga)
4. Igbadu - 4:28 (Sylvio Fraga / Thiago Amud)
5. Ajambrada - 2:20 (Sylvio Fraga / Thiago Amud)
6. Conversa com uma gambá - 2:07 (Sylvio Fraga)


LADO B

1. Lua verde - 2:39 (Sylvio Fraga)
2. 73 de janeiro - 3:30 (Sylvio Fraga)
3. Robalo nenhum - 2:00 (Sylvio Fraga)
4. Concerto campestre - 2:54 (Sylvio Fraga)
5. Bodocó - 1:55 (Sylvio Fraga / Fabrício Corsaletti)
6. Fala do quê - 3:19 (Sylvio Fraga / Luizinho do Jêje / Thiago Amud)


TEXTO DE LEONARDO LICHOTE

Pesca maior que o mar

Nonada na rede. Robalo nenhum. A jangada saiu com Chico, Ferreira e Bento — a jangada voltou nó.

Sylvio Fraga faz este álbum dessa pesca maior do que o mar, do que qualquer peixe: “Robalo nenhum”. Do vazio da rede, tece um oceano gota a gota — como nas primeiras palavras do disco.

“Gota a gota”. Palavras encontradas por Thiago Amud para a melodia gota a gota de Sylvio. Palavras cantadas sobre os atabaques de Luizinho do Jêje e Reinaldo Boaventura — rum e lé dando chão de terreiro para a liberdade sem gravidade de compasso, sem gravidade de discurso. Como poema — no ritmo e na carne.

Canção camerística, jazz candomblé — não por acaso o álbum é dedicado a Letieres Leite, por amor a ele mas também à sua música, que era ele. Ao longo do disco, sobre as claves afro-brasileiras de Luizinho e Reinaldo, inventa-se a sonoridade que se submete a nada além da canção em seu nado solto de robalo que não se enreda. “Igbadu”, reza aos orixás, condensa a sacralidade mundana do ritmo circular que atravessa o álbum. Sobre essa sacralidade mundana, navegam pelas 12 faixas o violão e a guitarra de Sylvio, o piano e os teclados de Marcelo Galter, a guitarra de Bernardo Ramos, o baixo de Bruno Aguilar, a bateria de Felipe Continentino e os metais de José Arimatéa. A esse núcleo se juntam, em diferentes momentos do disco, Marlon Sette (trombone), Alberto Continentino (baixo) e Durval Pereira (zabumba).

A despeito de sua intrincada engenharia musical, “Robalo nenhum” soa fluido — o álbum foi gravado quase integralmente ao vivo no estúdio da Rocinante, músicos tocando juntos. Como diálogo que mira menos no desenlace que no seu espalhar espiral.

“Cadê vocês, meus irmãos?”, pergunta Sylvio, ecoando em seu “Mini-dilúvio” a indagação que brota no “Temporal” de Caymmi. “Minhas perguntas são tantas/ Minhas perguntas são poucas”, diz outra canção.

“Robalo nenhum” — no cesto, só perguntas tantas e poucas. Delas são feitas as canções, e o processo de fazê-las é descarnado — a faca cortando a barriga e revelando as tripas de robalo nenhum — ao longo do álbum. A engrenagem da canção se mostra na palavra que sai da pedra da melodia em “Ajambrada”; na costura de rimas em “ó” desenhando sentido e música em “Bodocó”; no canto incapaz de capturar o peixe fugidio, de capturar a resposta que já não está mais lá quando se lança a rede em “Fala do quê” (“Vento cabô de batê/ Momento cabô de durá”); na “palavra flor da nota” em “Mini-dilúvio”.

Sylvio olha para a canção, então, como quem olha para o mar. E olha também para os mares além da canção. Crua em seu núcleo voz-e-violão, “Conversa com uma gambá” sintetiza também com crueza: “Desejo apenas na vida/ Acertar o alvo fino/ De morrer depois dos pais/ De morrer antes dos filhos”. Seu existencialismo fundo de canção popular, versos diretos, recende a Fagner ou Belchior em vapores cabralinos — com o lamento do acordeon de um Dominguinhos encarnado no harmônio de Galter.

A tragédia (humana, política) da morte de Marielle Franco alimenta a dor e a esperança de “73 de janeiro” — referência ao 14 de março, data do assassinato. Apoiada numa dinâmica de leveza solar donatiana, seus versos apontam para o amor que “fulge maior” que a “mancha na alma” deixada pelo ato covarde: “Vamos em frente, não tem mais jeito”. “Robalo nenhum”, a canção-título, também afirma — sob a atmosfera tumultuosa do arranjo e dos versos de correntezas no abismo e silêncios no manguezal e clamores fellinianos — que “amor é o que há”.

A “moça que guarda nos seios o mar” que emerge dos acordes de “Concerto campestre” (e da tela homônima de Giorgione, na qual Sylvio se inspirou); a “lua verde” que batiza a canção de ninar que se canta para si mesmo na presença do filho; o “rosto talhado de guelras” que se esculpe nos silêncios de cristal de “Retrato de proletária”. Todos personagens da pesca inútil e inestimável de “Robalo nenhum” — a existência, que numa das canções se sonha enraizada num baobá útero eterno.

credits

released April 7, 2022

Direção artística e musical: Sylvio Fraga
Produção musical: Bernardo Ramos, Marlon Sette e Sylvio Fraga
Gravação: Pepê Monnerat, Edu Costa e Bráulio Passos no Estúdio Rocinante
Mistura: Michael Brauer no Estúdio Rocinante
Masterização: Pete Lyman
Manutenção de equipamentos: Vinicius Crivellaro
Assistência de estúdio: Felipe Duriez
Preparação vocal: Felipe Abreu
Coordenação artística: Jhê Delacroix
Produção executiva: Luanda Morena e Nuala Brandão
Projeto gráfico: Ana Rocha
Fotografia da capa: Sylvio Fraga
Fotografia da contracapa: Carolina Cooper

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about

Sylvio Fraga Rio De Janeiro, Brazil

Composer, producer, singer, and poet, Sylvio Fraga has launched the albums Rosto (Face), Cigarra no trovão (Grasshopper in the Thunder), Canção da cabra (Song of the Goat) and Robalo nenhum (No Seabass).
Founder and artistic director of the Rocinante recording company, he co-produced Síntese do lance by Jards Macalé and João Donato and Erika Ribeiro, nominated for the Latin Grammy 2022.
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