1. |
Euá
03:09
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Euá iaba cria de Nanã
Euá-Oxumaré ê
Euá uróboro, ciclo de Dan
Euá de Daomé
Riró Yewá!
Lá na beira rio
Evém Ifá
Quase a morte a lhe alcançar
Mas já lhe acolhe Euá
Euá princípio bom da chuva-mãe
Euá transmutação ê
Euá caçula, Obaluaê, Ossain
Euá no panteão
Riró Yewá!
Um irmão
Folha tem
Um irmão
Palha tem
Um irmão
Cauda tem
Ela não
Tem ninguém
Veio alguém
Desposar
Veio alguém
Duelar
Veio alguém
Violar
Ela nem
Quis olhar
Pelo ar
Se evolou
Pelo ar
Se velou
Pelo ar
Se doou
Para amar
Se guardou
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2. |
Fata Morgana
01:40
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Fata Morgana
Um navio um torreão
Um sol frio em refração
Miração e desvario
Mãe do mar metáfora
Galeão em extravio
De Sicília até Calábria
Um navio em refração
Um sol frio um torreão
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3. |
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I
Amanhã no vale das manhãs
quero ver
quero voar na crina azul das montanhas
Puxa no talo pega no tal lugar, vai
que verá a raiz da minha existência
por um triste monumento
Eu vou morrer
eu vou nascer de novo
antes de viver mais por ti
Olha a montanha
a cova da galinha
Olha a aranha
na teia milenar
Quero lhe apanhar
II
Amanhã no caule do ipê
quero ver
quero ver as formigas azuis de Roraima
Subo no morro, sol de caramujar
vai revelando meu corpo em ave
averbada aproada em movimento
Eu vou descer
eu vou subir de novo é calmo
esse amor por ti
Coisa mais ampla
a pedra na garganta
Calma, saracura
a noite voltará
Venha me ninar
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4. |
Canção da cabra
02:49
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Lá na capela desse pasto
no lado norte do riacho invernal
os sinos já não dobram
e a relva tomou conta
Não tem mais padre nem batismo
e a coruja pôs-se fixa relicário
e pia com sua caça
o verbo fez-se carne
Dobram por quem
na igreja do pasto
mil sinos de lata
amanhecem a nave
Saltam da porta
até o vasto queimado
transubstanciados
de uma noite aflita
Lá na capela do riacho
o som da água se mistura ao som do pasto
e voltam toda noite
ao pio da coruja
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5. |
Romaria de jagunço
03:29
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Candelabros em estalactite, velhas culpas,
facas e trabucos ao redor das imagens.
Deixam as armas ali pelo chão
em sacrifício pagão a Bom Jesus.
Todos homens vêm buscar a paz clausurada,
trazem na coronha a certidão de bravura.
Deixam as armas ali e lá se vão
de alma nova ganhar o sertão.
Tomba no fundo no céu um gavião,
leva um preá para os seus, todos nós.
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6. |
Sertões
03:28
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Eu examinava o deserto
no meio caminho entre a sala e a cozinha
eu conheci a vida sincera de um bicho qualquer
no meio do dia um ermo tão manso me abduzindo
Sonho que vem, um sonho que sai por aí
quase uma fé a vida inventada por mim
Eu examinava o deserto
tanto ficava eu me transformei numa coisa de lá
tão funda a raiz, a planta pequena, a pele de espinho
a vida que cabe na palma de pedra no meio caminho
Entra na cama, fala que dia que foi
roça palavra um sonho de roça em mim
Noite, suave asa
salta de casa em casa
mansa a nave mãe
lança a lagrimantra
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7. |
Nevoeiro
01:10
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Vou fazer uma canção
bem baixinho,
Carolina está dormindo.
Nunca eu vi
coisa melhor.
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8. |
Dulcinéias
02:54
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Lembro bem de sentir tanta paixão
desde os três anos no mundo,
era um acontecimento o ardor,
apenas de vê-las ali.
Eu passava mal de nem dormir!
Andava no jardim, amigo de um índio.
Hoje a cabeça às vezes me trai,
desaprendendo o que é meu,
é muito mais que mulher, que mulher,
desde os três anos no mundo.
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9. |
Da vida
02:01
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Devo dividir
Dúvidas indivisíveis
E deve inda vir
Dádiva desavisada, um dia
A vida há de invadir
Doida de azul e vazio
Zonza de devir
Ávida de den’do vão do dia
Devo divisar
Da vida a vinda adiada
Dando de olvidar
A vazão de desavindas ondas
Onde deve andar
Ave de voz indizível?
Zanza den’do ar
E de déu em déu avisa e vem
Evoé
Ê vida que vem
E as demoras medem
Evoé
Vida de ninguém
Grão de alguém no Éden
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10. |
Sono do burgo
03:28
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Sono do burgo
Eu vos queria violentar agora
Estuporar-vos
Sem rebeldia
Sem estampidos e festas e mísseis
Com reza forte tão profunda e mansa
Que, ao transcorrer, dentro dela sumísseis
Ó, idiotas cidades idiotas
Cidades idiotas
Cidades
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11. |
A flauta
02:46
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Na caverna andaluz
quarenta mil anos atrás
ficavam por um tempo e seguiam
para terras desconhecidas
sem cavernas tão perfeitas como essa
repleta de poças com água mineral
abundância de cabra e azeitonas selvagens
sombreando a entrada
Pra onde iam e por quê?
Barriga cheia, caverna morna
desenhos simples pra ir em frente
no mar de pedra riscando um peixe:
recordação do mar!
Soprando alguma compreensão
pelo fêmur de um urso
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12. |
Sei da cor da noite
02:43
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Sei da cor da noite
não sei nada mais
além da cor da noite
eu sei da noite
o que ela faz
Sei tudo da morte
não sei nada mais
além da dor da morte
eu sei da morte
aquela paz
Um dia a dia
um museu em construção
veio o vento e derrubou
Uma ilha
uma embarcação
uma vida
uma em um milhão
Pode até cair
pode ser a salvação
ou apenas qualquer um
Uma ilha
uma embarcação
uma vida
uma em um milhão
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13. |
Figura de proa
02:04
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No rio, cara-cruz
mãe de todo sono
noite desterrada
longe na janela
eu vi passar
na luz da cerca
a gambá
e deu de mamar
aos dois filhos seus
noite teu colostro
faço minha reza
aos três
ao meu país
ao nada no final
[Para Thiago Amud]
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14. |
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A folha flutuava no sol, no frio
ela dormiu e eu também dormi
o sol descendo do nosso corpo
A lontra adejava no meu caminho
depois sumiu e eu pensei: sumiu
no contrafluxo de um instante
A folha flutuava no breu do rio
quando acordei ela ainda estava lá
um horizonte fundo em meu braços
Quero com essa moça
um caminhão de filho
quero com essa moça
um caminhão de filho
quero com essa moça
um caminhão de filho
quero com essa moça
um caminhão de filho
quero com essa moça
um caminhão de filho
quero com essa moça
um caminhão de filho
quero com essa moça
um caminhão de filho
quero com essa moça
um caminhão de filho
longes de noite
longes da noite
longes da noite
longes da noite
um caminhão de filho
tanto pra se guardar!
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15. |
São Bernardo
02:26
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Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho.
Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu traçaria o plano, introduziria na história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria o meu nome na capa.
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Sylvio Fraga Rio De Janeiro, Brazil
Composer, producer, singer, and poet, Sylvio Fraga has launched the albums Rosto (Face), Cigarra no trovão (Grasshopper in
the Thunder), Canção da cabra (Song of the Goat) and Robalo nenhum (No Seabass).
Founder and artistic director of the Rocinante recording company, he co-produced Síntese do lance by Jards Macalé and João Donato and Erika Ribeiro, nominated for the Latin Grammy 2022.
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