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Rocinante
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Can​ç​ã​o da cabra

by Sylvio Fraga e Letieres Leite

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1.
Euá 03:09
Euá iaba cria de Nanã Euá-Oxumaré ê Euá uróboro, ciclo de Dan Euá de Daomé Riró Yewá! Lá na beira rio Evém Ifá Quase a morte a lhe alcançar Mas já lhe acolhe Euá Euá princípio bom da chuva-mãe Euá transmutação ê Euá caçula, Obaluaê, Ossain Euá no panteão Riró Yewá! Um irmão Folha tem Um irmão Palha tem Um irmão Cauda tem Ela não Tem ninguém Veio alguém Desposar Veio alguém Duelar Veio alguém Violar Ela nem Quis olhar Pelo ar Se evolou Pelo ar Se velou Pelo ar Se doou Para amar Se guardou
2.
Fata Morgana 01:40
Fata Morgana Um navio um torreão Um sol frio em refração Miração e desvario Mãe do mar metáfora Galeão em extravio De Sicília até Calábria Um navio em refração Um sol frio um torreão
3.
I Amanhã no vale das manhãs quero ver quero voar na crina azul das montanhas Puxa no talo pega no tal lugar, vai que verá a raiz da minha existência por um triste monumento Eu vou morrer eu vou nascer de novo antes de viver mais por ti Olha a montanha a cova da galinha Olha a aranha na teia milenar Quero lhe apanhar II Amanhã no caule do ipê quero ver quero ver as formigas azuis de Roraima Subo no morro, sol de caramujar vai revelando meu corpo em ave averbada aproada em movimento Eu vou descer eu vou subir de novo é calmo esse amor por ti Coisa mais ampla a pedra na garganta Calma, saracura a noite voltará Venha me ninar
4.
Lá na capela desse pasto no lado norte do riacho invernal os sinos já não dobram e a relva tomou conta Não tem mais padre nem batismo e a coruja pôs-se fixa relicário e pia com sua caça o verbo fez-se carne Dobram por quem na igreja do pasto mil sinos de lata amanhecem a nave Saltam da porta até o vasto queimado transubstanciados de uma noite aflita Lá na capela do riacho o som da água se mistura ao som do pasto e voltam toda noite ao pio da coruja
5.
Candelabros em estalactite, velhas culpas, facas e trabucos ao redor das imagens. Deixam as armas ali pelo chão em sacrifício pagão a Bom Jesus. Todos homens vêm buscar a paz clausurada, trazem na coronha a certidão de bravura. Deixam as armas ali e lá se vão de alma nova ganhar o sertão. Tomba no fundo no céu um gavião, leva um preá para os seus, todos nós.
6.
Sertões 03:28
Eu examinava o deserto no meio caminho entre a sala e a cozinha eu conheci a vida sincera de um bicho qualquer no meio do dia um ermo tão manso me abduzindo Sonho que vem, um sonho que sai por aí quase uma fé a vida inventada por mim Eu examinava o deserto tanto ficava eu me transformei numa coisa de lá tão funda a raiz, a planta pequena, a pele de espinho a vida que cabe na palma de pedra no meio caminho Entra na cama, fala que dia que foi roça palavra um sonho de roça em mim Noite, suave asa salta de casa em casa mansa a nave mãe lança a lagrimantra
7.
Nevoeiro 01:10
Vou fazer uma canção bem baixinho, Carolina está dormindo. Nunca eu vi coisa melhor.
8.
Dulcinéias 02:54
Lembro bem de sentir tanta paixão desde os três anos no mundo, era um acontecimento o ardor, apenas de vê-las ali. Eu passava mal de nem dormir! Andava no jardim, amigo de um índio. Hoje a cabeça às vezes me trai, desaprendendo o que é meu, é muito mais que mulher, que mulher, desde os três anos no mundo.
9.
Da vida 02:01
Devo dividir Dúvidas indivisíveis E deve inda vir Dádiva desavisada, um dia A vida há de invadir Doida de azul e vazio Zonza de devir Ávida de den’do vão do dia Devo divisar Da vida a vinda adiada Dando de olvidar A vazão de desavindas ondas Onde deve andar Ave de voz indizível? Zanza den’do ar E de déu em déu avisa e vem Evoé Ê vida que vem E as demoras medem Evoé Vida de ninguém Grão de alguém no Éden
10.
Sono do burgo Eu vos queria violentar agora Estuporar-vos Sem rebeldia Sem estampidos e festas e mísseis Com reza forte tão profunda e mansa Que, ao transcorrer, dentro dela sumísseis Ó, idiotas cidades idiotas Cidades idiotas Cidades
11.
A flauta 02:46
Na caverna andaluz quarenta mil anos atrás ficavam por um tempo e seguiam para terras desconhecidas sem cavernas tão perfeitas como essa repleta de poças com água mineral abundância de cabra e azeitonas selvagens sombreando a entrada Pra onde iam e por quê? Barriga cheia, caverna morna desenhos simples pra ir em frente no mar de pedra riscando um peixe: recordação do mar! Soprando alguma compreensão pelo fêmur de um urso
12.
Sei da cor da noite não sei nada mais além da cor da noite eu sei da noite o que ela faz Sei tudo da morte não sei nada mais além da dor da morte eu sei da morte aquela paz Um dia a dia um museu em construção veio o vento e derrubou Uma ilha uma embarcação uma vida uma em um milhão Pode até cair pode ser a salvação ou apenas qualquer um Uma ilha uma embarcação uma vida uma em um milhão
13.
No rio, cara-cruz mãe de todo sono noite desterrada longe na janela eu vi passar na luz da cerca a gambá e deu de mamar aos dois filhos seus noite teu colostro faço minha reza aos três ao meu país ao nada no final [Para Thiago Amud]
14.
A folha flutuava no sol, no frio ela dormiu e eu também dormi o sol descendo do nosso corpo A lontra adejava no meu caminho depois sumiu e eu pensei: sumiu no contrafluxo de um instante A folha flutuava no breu do rio quando acordei ela ainda estava lá um horizonte fundo em meu braços Quero com essa moça um caminhão de filho quero com essa moça um caminhão de filho quero com essa moça um caminhão de filho quero com essa moça um caminhão de filho quero com essa moça um caminhão de filho quero com essa moça um caminhão de filho quero com essa moça um caminhão de filho quero com essa moça um caminhão de filho longes de noite longes da noite longes da noite longes da noite um caminhão de filho tanto pra se guardar!
15.
Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu traçaria o plano, introduziria na história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria o meu nome na capa.

about

LADO A

1. Euá (3:10) (Sylvio Fraga / Thiago Amud)
2. Fata Morgana (1:40) (Sylvio Fraga / Thiago Amud)
3. O lagarto e o gato largado (3:55) (Sylvio Fraga / José Arimatéa / Bruno Aguilar)
4. Canção da cabra (2:49) (Sylvio Fraga)
5. Romaria de jagunço (3:30) (Sylvio Fraga / Lucas Cypriano / Mac Willian Caetano)
6. Sertões (3:29) (Sylvio Fraga)
7. Nevoeiro (1:10) (Sylvio Fraga)
8. Dulcinéias (2:54) (Sylvio Fraga)
9. Da vida (2:02) (Sylvio Fraga / Thiago Amud)
10. Sono do burgo (3:29) (Sylvio Fraga / Thiago Amud)
11. A flauta (2:46) (Vovô Bebê / Sylvio Fraga)
12. Sei da cor da noite (2:43) (Sylvio Fraga / Vovô Bebê)
13. Figura de proa (2:05) (Sylvio Fraga)
14. Incríveis animais da floresta (2:23) (Sylvio Fraga / Lucas Cypriano / Mac Willian Caetano)
15. São Bernardo (2:27) (Sylvio Fraga / Bruno Aguilar / José Arimatéa / Mac Willian Caetano / Lucas Cypriano / Graciliano Ramos)


TEXTO DE JOYCE MORENO

Este não é um disco para você ouvir e sair por aí assobiando as canções.

A música de Sylvio Fraga, assim como sua poesia, tem arestas, asperezas, voos aéreos e noturnos entre Sicília e Andaluzia, aterrissagens no chão de Minas ou no nordeste brasileiro. Com seu quinteto de grandes músicos a bordo, a viagem sonora vai de jegue ou vai a jato, conforme. E a fala poética do autor às vezes se confunde com a de Thiago Amud, outro craque nas palavras, tão cheio de arestas e estranhamentos como ele. E vem a pedra de gracilianos e joões-cabrais combinada a uma etérea nuvem de poetas simbolistas agindo juntos, formação de quadrilha na brasileira construção da obra, nunca facilitando, sempre entregando a misteriosa chave oculta, que você que ouve terá de descobrir por si.

Letieres Leite, que coisa maravilhosa! Quando a música entra em modo “disco voador” e parece que vai sumir no espaço, a Bahia – sempre ela! – assume os controles e torna tudo tão afro-baiano, com espetaculares arranjos de sopros e percussões de se ouvir (literalmente) rezando. Essa improvável combinação do experimentalismo de Sylvio com a afro-bahia do maestro Letieres é que dá o tom único deste álbum.

Mas também imagino Sylvio organizando seu quinteto e pensando como Graciliano, que temos aqui na voz ancestral de Othon Bastos: “antes de iniciar este disco, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho”. Isso explica tudo.

P.S. E acabou que o refrão “ó idiotas cidades, idiotas cidades, idiotas cidades...” grudou na minha rádio-cabeça... Quem foi mesmo que disse que não era para sair por aí assobiando?

credits

released November 28, 2022

Produção musical: Sylvio Fraga e Duda Mello
Direção musical: Sylvio Fraga
Gravação e mistura: Duda Mello na Companhia dos Técnicos, Estúdio Rocinante, Rockit Estúdios, Visom e Casa das Máquinas (Salvador)
Masterização: Greg Calbi
Preparação vocal: Felipe Abreu
Fotografia: João Atala
Projeto gráfico: Lula Rocha
Produção executiva: Izabel Bellizzi, Daniel Duarte e Sylvio Fraga

license

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about

Sylvio Fraga Rio De Janeiro, Brazil

Composer, producer, singer, and poet, Sylvio Fraga has launched the albums Rosto (Face), Cigarra no trovão (Grasshopper in the Thunder), Canção da cabra (Song of the Goat) and Robalo nenhum (No Seabass).
Founder and artistic director of the Rocinante recording company, he co-produced Síntese do lance by Jards Macalé and João Donato and Erika Ribeiro, nominated for the Latin Grammy 2022.
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